Pensar e sentir: construindo morais e éticas

Esses dias, estava eu no coral e uma mulher a meu lado, ao errar a letra, disse não conseguir cantar aquela determinada peça olhando para a partitura. Num primeiro momento, o comentário pareceu-me um lamento, ou uma justificativa para o erro, até que ela emendou: "é que eu não penso mais pra cantar essa música, eu canto é com o sentimento".
Parei e pensei: "é justamente o que eu gostaria de conseguir fazer na vida". Sentir mais e pensar menos, não nos faltam filosofias ou literaturas ditando isso. Epicuro, Alberto Caeiro, já nos diziam que a vida deve ser nas coisas e pelas coisas, que o pensamento não deve ser senão da coisa, e que essa coisa nada é além de coisa. Os momentos em que percebo isso me parecem de fato os melhores e que mais sentimento envolvem.
Talvez seja cedo (no texto, na História e na vida) para afirmar que o pensamento racional é que estraga o homem, pois também é o que o retira da condição puramente animal e o faz ser coletivo, social, comunicativo e "civilizado", tanto quanto caiba de bom nesse último estado.
Recentemente, o conclamado civilizadíssimo governo francês iniciou um movimento de regulamentação dos imigrantes "gitanos" (nossos famosos ciganos) em seu território, que consistia basicamente em enviar de volta às pátrias de origem os ditos causadores de problemas sociais - crimes, aumento das taxas de desemprego, entre outros. Até aí, problema algum. Muito pragmáticos, líderes franceses teriam todo o direito de assim lidar com a situação.
Pois bem, a extrema racionalização está a passos do moralismo fatalista. A lógica envolvida na situação acima, com procedimentos amparados pelas leis do país e uma decisão que parece altamente justificável passa por todos os crivos racionalistas para criar denominações para o que ocorre e saídas altamente práticas nisso embasadas. Os imigrantes causam problemas, prejudicam o bom andamento do país, logo, expulsemos todos.
Experiências com ciganos foram marcantes também na península ibérica. Perguntem a Portugal e Espanha onde estão os gitanos daquela época... Estão no flamenco, nos violões apaixonadamente dedilhados, nos hábitos alimentares. Vistos como uma cultura bela e rica, foram melhor sentidos e incorporados por portugueses e espanhóis. A empatia ajudando na construção social e cultural dos países. A empatia de diferentes povos a favor da pacífica miscigenação.
Sentir, não rotular, além de mais agradável, nos traz a ética e não falsas morais embasadas em um racionalismo vão. Por tudo isso, não confio em quem nunca se extasiou com um quadro, entrou em transe com uma música ou se compadeceu de uma criança na rua. Como diria Chaplin em seu "O Grande Ditador", o mundo precisa que sintamos mais e pensemos menos. Nesse sentido, é claro.
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Heideggerianas sobre o mundo

Mundo
Impetuoso lugar em que fomos lançados
E vivemos
E temos de viver
Obrigatoriamente
Por força do hábito
Sob olhos que julgam
As individualidades secretas
Arbitrariamente
Por força da curiosidade
E escolhemos
Entre opções prontas
E erramos
E somos culpados
E culpamos
Algo que não vemos
Que existe por aí
Por que tudo acontece
Da pior forma possível.


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Nó cego, fé amolada

Vamos lá, vamos entrar em uma questão que não se discute no Brasil. Política não nos falta com essas eleições em clima de Mata Atlântica, não é mesmo caros companheiros tucanos verdes? Futebol, então, já está quase fora de moda após a copa. O que nos restou? Sim, a intocável questão da religião.
Primeiramente, em um país de tamanhas proporções em que se praticam desde o candomblé e a umbanda, de claras origens africanas, ao cristianismo romano e o luteranismo, vindos com os imigrantes europeus, declaro que concordo com quem disse que religião não se discute visando aquietar potenciais conflitos por motivos religiosos em terras tupiniquins. Creio nisso e sou a primeira a defender o respeito entre os crentes das diversas doutrinas. O engano ocorre ao se acreditar que o respeito mútuo é conseguido ao se trancar o assunto na estante de tabus brasileiros (estante que nem deveria existir, a meu ver).
Então, cá pra nós, um pouco de discussão saudável a respeito não vai matar ninguém. Há crentes e crentes, há os que não sabem se podem crer e há os que não creem, e talvez muitos outros tipos definidos (ou não) em relação à fé. Mas, em geral, os que creem não se justificam, afinal, religião não é ciência e fé se sente, não se racionaliza. E se não se racionaliza, por que criar então uma instituição para organizar a fé, que deveria ser a coisa mais íntima do mundo?
Nunca acreditei cegamente em dogmas, mesmo quando ainda não sabia o que era um dogma. Mas desde que tenho memória de minhas ações e pensamentos, sei que carrego uma crença muito forte em uma eternidade, um infinito, uma dimensão que é, antes de tudo, interior, sentida. Será que é a isso que nomeiam Deus, Brahma, Alá, Grande Arquiteto do Universo e afins? Há aí mais uma crença, tácita, que temos em um pacto com os demais fiéis, de que o que nomeamos da mesma forma trata-se do mesmo ente, percebido no íntimo de cada um que diz crer.
Havendo essa dimensão de infinito à qual se atrela uma expressão linguística ("Deus" talvez), chama-se "espiritual" tudo a ela relativo. Após a esfera pessoal e intransferível do âmbito espiritual, feito um documento, há a esfera da comunidade, o reconhecimento de que a fé própria é compartilhada por outros e a identificação destes como semelhantes perante o sentimento dessa eternidade.
Se a incrível capacidade intelectual do ser humano o deixasse em paz, pararíamos por aqui e não haveria religiões disputando tal qual times de futebol, havendo apenas a espiritualidade humana e pronto. Contudo, muitas foram criadas, sendo o dogmatismo forte na maioria e o ideal de "respeitar-vos uns aos outros" controvertido pelo "não creiam nas demais crenças", numa incorrigível inimizade.
Eu espero o dia em que não sejam mais tão cegos os nós que prendem a fé aos dogmatismos religiosos e sectários.
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Sinto o mudo sentir


Eu queria, confesso. Queria saber proclamar sentimentos. Pois sinto! Sinto tanto que me entristeço, tendo o corpo quase mudo de expressão... Não sei se deveria tê-lo aprendido, só sei que se devia, não fui bem-sucedida. Eu sinto, sinto tanto... Sinto nas pessoas... Quem dera poder aprisionar o que sinto de cada uma, aprisionar em liberdade, para que fosse meu também, mas, em conseguindo expressar, para que fosse do universo dos humanos o que já é próprio do mais humano universo!


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Reduzida a um nada de sentimentos

Não quero palavra. Não, não quero. Hoje me deixem só, é pedir muito? Não, não quero nada. Já disse que não quero nada. Nem café. Só eu e meu cigarro nessa simbiose humana-esfumaçada estamos aqui na frente da tela. O desejo de fumar é algo quase fisiológico e não mais uma coisa apartada de mim. Eu sei que o café esfriou. Café frio também faz pensar, quente demais queima a língua. Eu sei que devia sair do twitter e ir fazer algo de útil, mas eu pareço tão supérflua no mundo lá fora que a tela e meus seguidores fazem do ambiente virtual o meu porto seguro de cada dia. Eu sei que devia sair de casa, lutar pela moral da classe e por uma eleição justa. E eu desejaria tudo isso do fundo da alma, se alguma coisa conseguisse desejar. E nem o não-desejar eu desejo, não desejo nada. É-me tudo indiferente. Desses momentos em que não se sente nada, mas muito se pensa. As emoções são diluídas no meu voraz intelecto, que age sem que eu me dê conta, destruindo tudo o que chega como afeto, para que eu me certifique de que não sinto, apenas penso. É difícil dormir. Diria quase impossível. A minha falta de sentimentos e efervescência mental me afasta inclusive o sono. E eu apenas penso e crio pensamentos que me devoram. Minha imaginação transforma detalhes ruins em elaborados traumas e eu me auto-destruo por dentro num movimento contínuo.
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Sobre nacionalismo e Antropofagia


"O tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato..."
(Brasil Pandeiro - Novos Baianos)

Primeiramente, peço desculpas pela demora em atualizar o blog. Agora vem a explicação: estava viajando, conhecendo o velho continente. O texto de hoje vem justamente de encontro às minhas impressões da Europa e a algumas coisinhas que me vieram à mente durante esse tempo.
Não é de hoje que se escuta "esse país é de terceiro mundo", "que horror, só podia ser no Brasil"... Entre outros, enfim. Essa verde-amarelismofobia dá lugar a um inesperado patriotismo quando a seleção entra em campo, por exemplo, fenômeno observado em cada copa do mundo. Nunca se vêem tantas bandeiras hasteadas, tanta gente lembrando a letra do hino nacional, tantas caras pintadas.
É realmente estranho como não há manifestações ufanistas em épocas de anúncios de corrupção e violência, altas taxas de desemprego, baixas de escolaridade e má qualidade de serviços públicos. Os mesmos que por vezes tanto aclamam sua pátria em jogos de futebol se esquecem que ela merece quem por ela zele e reivindique principalmente quando algo está desandando.
O desprezo ao subdesenvolvimento brasileiro vem em geral acompanhado de um louvor ao mundo desenvolvido: "não seria assim na Europa", "ah, país de primeiro mundo é outra coisa". Não posso discordar da última frase; realmente, país "desenvolvido" é outra coisa. Não que essa coisa seja de todo melhor ou pior, apenas se trata de outra.
No entanto, talvez os habitantes do mundo rico tenham justamente o que não temos, em geral: a sensação que poderia ser chamada de nacionalista de que eles próprios ajudam a construir o país em que vivem. Ora, isso deveria estar implícito, não? O país é, antes de tudo, o reflexo de seu povo, e não um governo ou simplesmente um território. Claro que há toda uma indústria da informação e da cultura contribuindo para uma desvalorização do que é brasileiro, não se pode negar, e talvez seja necessário sair do país para notar os contrastes e recuperar um certo orgulho da própria nacionalidade.
A famosa história de que gringo no Brasil é celebridade e brasileiro no exterior é terrorista não foge tanto assim da realidade. O tratamento, em geral, não é dos melhores, não só para brasileiros, mas para a maioria dos imigrantes vindos de países subdesenvolvidos, na Europa, por exemplo. Vítimas da xenofobia, quase sempre, são relegados às funções mais simples, na prestação de serviços ou construção civil. Certamente, somos anfitriões como ninguém.
A consciência crítica de parte da nossa população não é compartilhada por classes sociais semelhantes do norte-rico. Pouco afetados por doutrinas socialistas, talvez, ou apenas não precisando enxergar problemas sociais que não vivenciam ou simplesmente inexistem em seus países. O fato é que a juventude européia com que tive contato vive em um mundo perfeito, vendo apenas os pontos positivos da globalização, com mínimos problemas burgueses como a alta dos preços dos produtos de marca. (Se isso soar um tanto comunista e chauvinista, é exatamente a isso que se propõe. Não que eu seja tão extremista e de esquerda, mas vi a necessidade de uma certa extrapolada para esse ângulo quando vi toda uma juventude com ideais tão estreitos sobre o mundo.)
Realidades diferentes, é tudo o que existe. Talvez o nacionalismo exacerbado não seja a solução, nem lá, nem cá, como diria Gonçalves Dias. Não é exatamente no Romantismo que está a solução. Mas to be or not to be, o melhor mesmo é nos rendermos a Oswald de Andrade e descobrir que a Antropofagia é a solução.
Não há como negar influências, permanecer puramente brasileiro, ainda mais em tempos de globalização e da sociedade informativa. Há que se beber em fonte estrangeira, sem perder a brasilidade. Não há sorriso como o nosso, não há música como a nossa, não há céu como o nosso. Mas sem os americanos o próprio Tropicalismo não existiria, não teríamos descoberto a guitarra. Portanto, e creio que Che me permitiria a paráfrase, "hay que se miscigenar, pero sin perder la brasilidade jamás".
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Meio bossa-nova e rock'n roll

Há cinqüenta anos (quem diria que os hippies anos 60 já são quinquagenários?), cenário: Liverpool. Jovens da classe trabalhadora resolviam chamar amigos para tirar um somzinho de suas guitarras em casa. Eles podiam se orgulhar de montar uma bandinha, fosse ela qualquer, de garagem ou quintal. Os tempos eram difíceis, era realmente uma conquista. Se essa banda se transformasse numa das maiores (senão A maior) e mais influentes bandas de rock de todos as eras e locais então, esses jovens poderiam ser considerados, impreterivelmente, revolucionários! (Talvez haja aqui uma pitada de fanatismo da minha parte, mas tirando a veemência do vocabulário, o resto é fato.)
Há trinta anos (quem imaginaria que faz tanto tempo que perdemos a década de 80?), cenário: Brasil. Jovens da alta classe média resolviam fazer "barulho" não em casa, mas na rua, para serem ouvidos. Tratados não como artistas, mas
como rebeldes. Se algum desses jovens ainda morresse em pleno auge da carreira de uma causa-tabu seria mal visto pela sociedade por muito tempo, um transgressor.
De terno e cabelos alinhados, os Beatles foram a pintura mais clássica da suavização temática na música em uma época de guerras e insatisfações mundiais. Com letras positivas, cantavam o amor, a paz, a amizade e as boas novas da juventude. No Brasil, acrescentaram o
banquinho, o mar e o violão e fez-se a Bossa-Nova, romantizando o país à era da Ditadura Militar. Há os que criticam tanto os meninos ingleses quanto Tom, Vinícius e grande elenco, dizendo terem eles alienado as massas enquanto os regimes as manipulavam. Penso se não serviram também, e em contrapartida, à amenização das dores de sociedades que se viam impotentes. Não se pode negar que clássicos como "Here Comes The Sun" e "Yellow Submarine" nos transportam a um mundo outro, sorridente, alegórico.
Porém, se em matéria de temas não ouve a tão esperada revolution dos Beatles, musicalmente eles consolidaram o rock'n roll em seu formato clássico e foram os precursores de inovações técnicas, melódicas e no uso de instrumentos. Aquela que seria para sempre a música de protesto por excelência teve em seu palco-base de formação uma bateria tocada por Ringo Starr, que completou seus 70 anos nesse dia 07.
Em sete-do-sete também ocorreu, por mero acaso ou lógica intrínseca ao rock, a morte do cantor brasileiro que conseguiu unir os dois estilos que romancearam os anos 60, numa obra totalmente original, semi-revoltada, semi-romântica, meio punk, meio samba, meio bossa-nova e rock'n roll, como ele mesmo se definiu.
Cazuza, como roqueiro, despiu o terno. Literal e figurativamente. A pinta de bom moço não era com ele, e realmente não combinava com o que estaria por vir em suas letras e melodias. Anunciou os problemas do país à época da redemocratização, exigindo "ideologia" e pedindo para o Brasil mostrar a própria cara. Também teve seu lado romântico, rock-light, rock-bossa-nova, uma guitarra mais calma, mas seu romantismo era realista (não, não é paradoxo!). Falava de amor e questões internas de forma por vezes mais intimista, por vezes escancarada, expondo a hipocrisia existente em cada detalhe da vida.
Tentando justamente driblar essa hipocrisia da sociedade, ele se expôs a uma vida de liberdades e excessos em busca da fuga do óbvio e de afastar de sua vida a lógica moralizadora burguesa imposta a todo jovem de sua idade. Seu prazer, por fim, tornado foi em risco de vida. E seu sex and drugs, apartado do próprio rock'n roll. Talvez sem sua doença, ele não tivesse sido quem foi. Talvez reflexões bem mais profundas só sejam possíveis com a consciência da proximidade do fim.
Não diferente do que os primeiros parágrafos afirmam, a sociedade global, por essência conservadora, sempre irá idolatrar os ternos e maldizer as bandanas, até que se prove o contrário. No caso, nada fica provado a não ser que todos os submarinos amarelos e as betes balanço têm seu valor, musical, histórico, independente, e que se faça uso da música como de medicamento, como de comida, às vezes como do próprio ar. Para cada necessidade pessoal, social, um tipo, uma harmonia, uma letra.



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Desvuvuzeleando


"O que eu invejo, doutor, é quando o jogador cai no chão e se enrola e rebola a exibir bem alto as suas queixas. A dor dele faz parar o mundo. (...) As minhas mágoas que são tantas e tão verdadeiras e nenhum árbitro manda parar a vida para me atender. (...) Se a vida fosse um relvado, quantos penalties eu já tinha marcado contra o destino?"

Mia Couto


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Cadê o tempo que tava aqui?

Sabe o que seria bom, mas bom de verdade? Engarrafar o tempo vivido. Daria pra conseguir mais tempo quando o tempo esgota. Daria pra matar a saudade como se mata a sede, de gole de tempo. Daria pra brindar o presente com o passado e engarrafar o presente pra brindar no futuro. Daria pra se embebedar de momentos e enviar notícias e dar de presente e deixar para os filhos tudo que se passou e se passa, em uma fartura líquida. Mas iria aparecer o mercado do tempo e a indústria do tempo e a distribuidora de bebidas do tempo em sabores. E tudo mais uma vez se encerraria no odioso mercado capitalista do tempo. Mas eu não deixo de imaginar a propaganda apelativa: "mate a sede e a saudade com um gole só".


Imagina se eles tivessem alguns goles.

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Eu reinei no que nunca fui.

"Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida. Nunca tive outra preocupação verdadeira senão a minha vida interior. As maiores dores da minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para dentro de mim, pude esquecer-me na visão do seu movimento.
Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me falou de viver nunca prestei atenção. Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim.
Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar. À vida nunca pedi senão que passasse por mim sem que eu a sentisse."


"Livro do Desassossego", F. Pessoa


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Sardinha fresca de Lennon e Hitchcock

"Little girl: I'm afraid of things that fly. They scary me.
Sheldon: Me too!"
Episódio de "The Big Bang Theory"
(e eu, pessoalmente, também tenho medo de coisas que voam)

Há um dito popular que de longa data nos comunica a incerteza do fiar-se em aparências. Mas de longa data também é que ignoramos esse aviso, pois se conselho bom fosse, vender-se-ia. Vender-se-ia... Pois eu vim aqui vender o meu. Vender meu peixe, meu conselhinho, que tá mais pra sardinha que pra bacalhau.
"Há um pássaro cantando na escuridão da noite, que aprende a voar, apesar da asa quebrada. Que aprende a ver com seus olhos fundos. Apenas esperando aquele momento para decolar." Mesmo nessa herética tradução semi-literal de "Blackbird" dos Beatles, é possível enxergar um ser vivo delicado, frágil, até debilitado, em metáfora com a condição humana. Um animal que deseja ser livre e potente, que atravessa dificuldades, vence e, por fim, consegue voar.
Passando da cabeleira de Lennon à careca de Hitchcock, n'Os Pássaros, de 1963, o cineasta faz de um bando de inocentes e dóceis "blackbirds that sing" uma força estrondosa, ameaçadora e assassina. Diferente do que poderia soar um filme apocalíptico-ambientalista prevendo a vingança da natureza contra o Homem, a questão está no fato de que em nenhum momento se descobre a causa do comportamento agressivo atípico daquelas aves. É projetado nesses aparentemente inofensivos animais um comportamento não esperado por sua aparência pacífica.
Mas realmente deveriam essas criaturas ser consideradas naturalmente frágeis e dóceis ou fortes e agressivas? Talvez não devessem ser consideradas previamente, simplesmente. Por mais que digamos ao contrário, não estamos acostumados a viver sem pré-conceitos quanto às coisas. Talvez seja uma forma de nos proteger contra o que virá, já construindo uma idéia do futuro, das ocasiões, das pessoas.
Mas a frustração de ter a perspectiva contrariada pode ser bem pior do que bicadas assassinas de um pássaro. A sensação de não termos o controle sobre nossas próprias vidas. De que o que pensamos de nada serve quando tudo se mostra diferente e ilógico. É frustrante e assustador. Melhor mesmo nos prepararmos pra não estarmos preparados, pro improviso da vida.
(E, ah, além de ter medo de pássaros, eu também prefiro, modéstia à parte, a sardinha ao bacalhau.)
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Um novo Dalí?

Aqui algumas obras de Vladimir Kush, artista russo contemporâneo, que pra mim é um surrealista light, meio indie. Seja qual for a denominação, abaixo, duas pinturas e uma escultura que, acima de tudo, agradam ao olhar.








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O oriente, o ocidente e o coro

Soube há alguns dias que a Osesp estava estreando seu projeto "itinerante 2010" em Ribeirão e me programei para os concertos, afinal, Osesp de graça não é todo dia.
Cheguei há pouco da apresentação do Coro de Câmara da Orquestra, que recomendo com veemência! Aliás, recomendo todos os corais, em especial os da Cia. Minaz (a gente também precisa ganhar a vida, sabe como é, hehe...).
Após todos os avisos de praxe, os "desliguem seus bips, celulares" e "é proibido filmar ou fotografar o espetáculo" (mesmo sempre havendo quem tire fotos com o celular), vem o terceiro sinal. O coro entra, naquela formalidade de passo e vestimenta, como notas se colocando numa partitura.
Todos a postos, eis que surge a regente. Uma pequena figura nipônica que inspira instantânea simpatia. Um pouco tensa ao se apresentar à platéia estranha e lotada, ela mostra fibra ao manter o discurso de agradecimentos, rápido, incisivo e anuncia o repertório, de posse da mesma precisão com que rege os cantores. Sabem como é, a disciplina oriental, bem dosada, é muito bem-vinda.
Algumas peças sacras, seguidas de um spiritual. Um Villa-Lobos e uma coletânea de arranjos de composições populares brasileiras encerram o concerto. Condizentes com a formalidade da aparência do coro, as peças eruditas são entoadas com toda a postura e técnica, com esmero na dinâmica, sendo um pianíssimo agudo tão bem desenhado quanto o fortíssimo grave.
Nota-se o esmalte lírico também nas peças populares, porém desviam-se da confusão de estilos adotando trejeitos mais espontâneos, ou por vezes até cênicos. A percussão com palmas e a escolha de solistas que cativam a platéia na "muié rendera" e outras canções nordestina dão o toque final ao tom "malandro" do repertório nacional.
A disposição dos naipes não é a tradicional, sendo baixos e barítonos mais próximos das sopranos, e contraltos e tenores na mesma metade do palco. Dessa forma, o canto que chega à platéia é mais homogêneo, e isso também deve-se à consciência de grupo que os integrantes mostram. Aliás, coisa imprescindível num coro, lembrar que não se canta sozinho, mas que se é parte, ao mesmo tempo, do microcosmo do naipe e do macrocosmo do coro, e guardar as responsabilidades para com cada universo e com o regente, em prol do resultado final.
Aliás, talvez o maior ensinamento para um coral seja de um matemático americano (John Nash, em "Uma Mente Brilhante"): "fazer o melhor para si e para o grupo". E que venha a técnica oriental e o repertório brasileiro, que estaremos num brilhante concerto!
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Micro-distração

Só um videozinho interessante e criativo feito a partir de obras de arte famosas...
Have fun! =)
*

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Pela descriminalização da poesia cotidiana

















Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas,
e debruçados na mesa todos contemplam
este romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra;
uma letra somente
para acabar teu nome!

- Está sonhando? Olha que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
“Neste país é proibido sonhar”.

(Carlos Drummond de Andrade)

Inicio aqui meu movimento pela descriminalização da poesia cotidiana, pela não marginalização da cultura, pela valorização do que humaniza as pessoas, em detrimento do mundo tecnicista e extremamente pragmático que é hoje vigente. Cultivemos as artes, pratiquemos as ciências humanas! Que a poesia não seja afogada pela máquina, pela obviedade e pelo conservadorismo.




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A Inauguração do Filho

Hey! Então, geralmente uma festa de inauguração não é feita às escondidas, mas inversamente, há muitos convidados, muita alegria e badalação para divulgar a coisa inaugurada. Tem razão. Nesse caso, digamos que seja menos como uma inauguração e mais como... Como um parto. Uma coisa mais privada. Sendo esse blog um filho recém-nascido que eu tentarei criar com muito cuidado.
Já tentei manter outros blogs, mas sem sucesso. Realmente estou motivada dessa vez, e veremos se a motivação basta. Falando em motivação, isso me lembra do texto de Evolução que eu estava lendo para a faculdade. E isso, por sua vez, que tenho que voltar a estudar, hehe.
Antes, uma palavrinha sobre o título. Há uma famosa (ou nem tão famosa assim) citação de Marx, (que não é bem assim, mas ficou conhecida como) "tudo que é sólido desmancha no ar", e eu me dei a liberdade de parafrasear para "tudo que é líquido" e como diz o subtítulo "das coisas que passam", pretendo tratar de coisas transitórias, mutáveis, sem muitas certezas. Vou tentar povoar esse espaço mais com divagações, pensamentos, citações e coisas bem flexíveis e leves, "líquidas". Porque, assim como líquido, eu não sou a mesma um dia após o outro, ou mesmo um segundo após o outro.
Findas as proto-filosofias minhas, talvez um dia eu fique com vergonha desse título e mude, mas por enquanto fica.
Bem, é isso. Até a próxima, pessoas.
*
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