"Morrer é só não ser visto"

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"Digam o que disserem , o mal do século é a solidão,
Cada um de nós imerso em sua  própria arrogância,
Esperando por um pouco de afeição".
(Renato Russo. É, de novo.)

"A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo".
(Fernando Pessoa)


Jurava que já tinha postado alguma coisa no blog com esse trecho do Renato Russo. Fui lá, fucei, e admito que num primeiro momento não encontrei nada. Ok, comecei a escrever. Pois bem, procurando de novo, encontro num post de um ano e meio atrás. Mas resolvi deixar a epígrafe assim mesmo, que é pra reforçar o quanto esses versos são marcantes, ainda mais na abertura de um post pra tirar esse blog das moscas. Se bem que as moscas também pousam na sopa pra incomodar, mas vamos deixar as divagações e vamos ao que interessa!
É o que é, um pouco de arrogância todo mundo tem (a começar pela que vos escreve, apontando do alto da arrogância dedo-indicadora que você mesmo deve ter um pouco de arrogância dentro de si). A arrogância mais natural talvez seja em relação ao campo profissional ou de interesses de uma certa pessoa, que até não pode ser tratada de arrogância pura, pois tem um tom meio polido de quem quer apenas informar e dar talvez a última palavra sobre um assunto que de fato domina, digamos assim, um modo de ser arrogante de forma mais "realista".
Há a arrogância pedante, da qual toda pessoa tende a se esquivar e lembrar de um fulano que certamente é a pessoa mais arrogante que ela conhece, pois fulano gosta de se exibir e estar por cima sempre. No fundo, alguma vez na vida ao menos, todos nós estamos sujeitos a ser esse fulano para alguém.
Por fim, nessa nossa breve classificação das arrogâncias, existe a arrogância masoquista, que é a arrogância de que trata a epígrafe da música, a mais sutil das três. Trata-se de estar só, em "sofrimento", mas ter prazer nisso, prazer mantido pela certeza de que um dia alguém virá nos resgatar do nosso refúgio, cheio de afeto pra dar, por se dar conta de nossa importância e nosso valor, e muitas vezes insistimos nos aspectos negativos de nossa vida, em busca de uma maior recompensa.
Longe de mim querer negar que a depressão verdadeira existe, que há muitos casos sérios e que merecem esse tipo de atenção. O fato é que quando há um prazer consciente embutido nesse sofrimento, há que se desconfiar se não é essa arrogância se fazendo presente. Já dizia Pessoa citado ali em cima também, morrer é só não ser visto, quando se está na curva da estrada, mas se algum barulho puder ser feito, e a chegada anunciada, a existência é percebida e pode ser compartilhada, e é então que nos abrimos ao outro.
Certamente, a morte que o outro nos "impõe" sem perceber, passa a ser encarada com um ressentimento vindo do fundo dessa nossa arrogância, que nos diz que todos deveriam saber o quanto somos especiais e o mundo não deveria ser tão rude conosco. De fato, cada um de nós é uma mosca na sopa do mundo, que apareceu para incomodar e fazer barulho à sua maneira. Incomodar pelo lado bom, fazer o barulho que expresse sua própria natureza, e modificar o que estiver a seu alcance, com base no que acredita. Mas somos seres também pequenos e incompletos no fundo, e devemos nos abrir aos outros para melhor viver. Dar-se conta disso talvez seja uma das maiores riquezas humanas, além de um grande desafio.
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