Sobre nacionalismo e Antropofagia


"O tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato..."
(Brasil Pandeiro - Novos Baianos)

Primeiramente, peço desculpas pela demora em atualizar o blog. Agora vem a explicação: estava viajando, conhecendo o velho continente. O texto de hoje vem justamente de encontro às minhas impressões da Europa e a algumas coisinhas que me vieram à mente durante esse tempo.
Não é de hoje que se escuta "esse país é de terceiro mundo", "que horror, só podia ser no Brasil"... Entre outros, enfim. Essa verde-amarelismofobia dá lugar a um inesperado patriotismo quando a seleção entra em campo, por exemplo, fenômeno observado em cada copa do mundo. Nunca se vêem tantas bandeiras hasteadas, tanta gente lembrando a letra do hino nacional, tantas caras pintadas.
É realmente estranho como não há manifestações ufanistas em épocas de anúncios de corrupção e violência, altas taxas de desemprego, baixas de escolaridade e má qualidade de serviços públicos. Os mesmos que por vezes tanto aclamam sua pátria em jogos de futebol se esquecem que ela merece quem por ela zele e reivindique principalmente quando algo está desandando.
O desprezo ao subdesenvolvimento brasileiro vem em geral acompanhado de um louvor ao mundo desenvolvido: "não seria assim na Europa", "ah, país de primeiro mundo é outra coisa". Não posso discordar da última frase; realmente, país "desenvolvido" é outra coisa. Não que essa coisa seja de todo melhor ou pior, apenas se trata de outra.
No entanto, talvez os habitantes do mundo rico tenham justamente o que não temos, em geral: a sensação que poderia ser chamada de nacionalista de que eles próprios ajudam a construir o país em que vivem. Ora, isso deveria estar implícito, não? O país é, antes de tudo, o reflexo de seu povo, e não um governo ou simplesmente um território. Claro que há toda uma indústria da informação e da cultura contribuindo para uma desvalorização do que é brasileiro, não se pode negar, e talvez seja necessário sair do país para notar os contrastes e recuperar um certo orgulho da própria nacionalidade.
A famosa história de que gringo no Brasil é celebridade e brasileiro no exterior é terrorista não foge tanto assim da realidade. O tratamento, em geral, não é dos melhores, não só para brasileiros, mas para a maioria dos imigrantes vindos de países subdesenvolvidos, na Europa, por exemplo. Vítimas da xenofobia, quase sempre, são relegados às funções mais simples, na prestação de serviços ou construção civil. Certamente, somos anfitriões como ninguém.
A consciência crítica de parte da nossa população não é compartilhada por classes sociais semelhantes do norte-rico. Pouco afetados por doutrinas socialistas, talvez, ou apenas não precisando enxergar problemas sociais que não vivenciam ou simplesmente inexistem em seus países. O fato é que a juventude européia com que tive contato vive em um mundo perfeito, vendo apenas os pontos positivos da globalização, com mínimos problemas burgueses como a alta dos preços dos produtos de marca. (Se isso soar um tanto comunista e chauvinista, é exatamente a isso que se propõe. Não que eu seja tão extremista e de esquerda, mas vi a necessidade de uma certa extrapolada para esse ângulo quando vi toda uma juventude com ideais tão estreitos sobre o mundo.)
Realidades diferentes, é tudo o que existe. Talvez o nacionalismo exacerbado não seja a solução, nem lá, nem cá, como diria Gonçalves Dias. Não é exatamente no Romantismo que está a solução. Mas to be or not to be, o melhor mesmo é nos rendermos a Oswald de Andrade e descobrir que a Antropofagia é a solução.
Não há como negar influências, permanecer puramente brasileiro, ainda mais em tempos de globalização e da sociedade informativa. Há que se beber em fonte estrangeira, sem perder a brasilidade. Não há sorriso como o nosso, não há música como a nossa, não há céu como o nosso. Mas sem os americanos o próprio Tropicalismo não existiria, não teríamos descoberto a guitarra. Portanto, e creio que Che me permitiria a paráfrase, "hay que se miscigenar, pero sin perder la brasilidade jamás".
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Meio bossa-nova e rock'n roll

Há cinqüenta anos (quem diria que os hippies anos 60 já são quinquagenários?), cenário: Liverpool. Jovens da classe trabalhadora resolviam chamar amigos para tirar um somzinho de suas guitarras em casa. Eles podiam se orgulhar de montar uma bandinha, fosse ela qualquer, de garagem ou quintal. Os tempos eram difíceis, era realmente uma conquista. Se essa banda se transformasse numa das maiores (senão A maior) e mais influentes bandas de rock de todos as eras e locais então, esses jovens poderiam ser considerados, impreterivelmente, revolucionários! (Talvez haja aqui uma pitada de fanatismo da minha parte, mas tirando a veemência do vocabulário, o resto é fato.)
Há trinta anos (quem imaginaria que faz tanto tempo que perdemos a década de 80?), cenário: Brasil. Jovens da alta classe média resolviam fazer "barulho" não em casa, mas na rua, para serem ouvidos. Tratados não como artistas, mas
como rebeldes. Se algum desses jovens ainda morresse em pleno auge da carreira de uma causa-tabu seria mal visto pela sociedade por muito tempo, um transgressor.
De terno e cabelos alinhados, os Beatles foram a pintura mais clássica da suavização temática na música em uma época de guerras e insatisfações mundiais. Com letras positivas, cantavam o amor, a paz, a amizade e as boas novas da juventude. No Brasil, acrescentaram o
banquinho, o mar e o violão e fez-se a Bossa-Nova, romantizando o país à era da Ditadura Militar. Há os que criticam tanto os meninos ingleses quanto Tom, Vinícius e grande elenco, dizendo terem eles alienado as massas enquanto os regimes as manipulavam. Penso se não serviram também, e em contrapartida, à amenização das dores de sociedades que se viam impotentes. Não se pode negar que clássicos como "Here Comes The Sun" e "Yellow Submarine" nos transportam a um mundo outro, sorridente, alegórico.
Porém, se em matéria de temas não ouve a tão esperada revolution dos Beatles, musicalmente eles consolidaram o rock'n roll em seu formato clássico e foram os precursores de inovações técnicas, melódicas e no uso de instrumentos. Aquela que seria para sempre a música de protesto por excelência teve em seu palco-base de formação uma bateria tocada por Ringo Starr, que completou seus 70 anos nesse dia 07.
Em sete-do-sete também ocorreu, por mero acaso ou lógica intrínseca ao rock, a morte do cantor brasileiro que conseguiu unir os dois estilos que romancearam os anos 60, numa obra totalmente original, semi-revoltada, semi-romântica, meio punk, meio samba, meio bossa-nova e rock'n roll, como ele mesmo se definiu.
Cazuza, como roqueiro, despiu o terno. Literal e figurativamente. A pinta de bom moço não era com ele, e realmente não combinava com o que estaria por vir em suas letras e melodias. Anunciou os problemas do país à época da redemocratização, exigindo "ideologia" e pedindo para o Brasil mostrar a própria cara. Também teve seu lado romântico, rock-light, rock-bossa-nova, uma guitarra mais calma, mas seu romantismo era realista (não, não é paradoxo!). Falava de amor e questões internas de forma por vezes mais intimista, por vezes escancarada, expondo a hipocrisia existente em cada detalhe da vida.
Tentando justamente driblar essa hipocrisia da sociedade, ele se expôs a uma vida de liberdades e excessos em busca da fuga do óbvio e de afastar de sua vida a lógica moralizadora burguesa imposta a todo jovem de sua idade. Seu prazer, por fim, tornado foi em risco de vida. E seu sex and drugs, apartado do próprio rock'n roll. Talvez sem sua doença, ele não tivesse sido quem foi. Talvez reflexões bem mais profundas só sejam possíveis com a consciência da proximidade do fim.
Não diferente do que os primeiros parágrafos afirmam, a sociedade global, por essência conservadora, sempre irá idolatrar os ternos e maldizer as bandanas, até que se prove o contrário. No caso, nada fica provado a não ser que todos os submarinos amarelos e as betes balanço têm seu valor, musical, histórico, independente, e que se faça uso da música como de medicamento, como de comida, às vezes como do próprio ar. Para cada necessidade pessoal, social, um tipo, uma harmonia, uma letra.



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Desvuvuzeleando


"O que eu invejo, doutor, é quando o jogador cai no chão e se enrola e rebola a exibir bem alto as suas queixas. A dor dele faz parar o mundo. (...) As minhas mágoas que são tantas e tão verdadeiras e nenhum árbitro manda parar a vida para me atender. (...) Se a vida fosse um relvado, quantos penalties eu já tinha marcado contra o destino?"

Mia Couto


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