Nó cego, fé amolada

Vamos lá, vamos entrar em uma questão que não se discute no Brasil. Política não nos falta com essas eleições em clima de Mata Atlântica, não é mesmo caros companheiros tucanos verdes? Futebol, então, já está quase fora de moda após a copa. O que nos restou? Sim, a intocável questão da religião.
Primeiramente, em um país de tamanhas proporções em que se praticam desde o candomblé e a umbanda, de claras origens africanas, ao cristianismo romano e o luteranismo, vindos com os imigrantes europeus, declaro que concordo com quem disse que religião não se discute visando aquietar potenciais conflitos por motivos religiosos em terras tupiniquins. Creio nisso e sou a primeira a defender o respeito entre os crentes das diversas doutrinas. O engano ocorre ao se acreditar que o respeito mútuo é conseguido ao se trancar o assunto na estante de tabus brasileiros (estante que nem deveria existir, a meu ver).
Então, cá pra nós, um pouco de discussão saudável a respeito não vai matar ninguém. Há crentes e crentes, há os que não sabem se podem crer e há os que não creem, e talvez muitos outros tipos definidos (ou não) em relação à fé. Mas, em geral, os que creem não se justificam, afinal, religião não é ciência e fé se sente, não se racionaliza. E se não se racionaliza, por que criar então uma instituição para organizar a fé, que deveria ser a coisa mais íntima do mundo?
Nunca acreditei cegamente em dogmas, mesmo quando ainda não sabia o que era um dogma. Mas desde que tenho memória de minhas ações e pensamentos, sei que carrego uma crença muito forte em uma eternidade, um infinito, uma dimensão que é, antes de tudo, interior, sentida. Será que é a isso que nomeiam Deus, Brahma, Alá, Grande Arquiteto do Universo e afins? Há aí mais uma crença, tácita, que temos em um pacto com os demais fiéis, de que o que nomeamos da mesma forma trata-se do mesmo ente, percebido no íntimo de cada um que diz crer.
Havendo essa dimensão de infinito à qual se atrela uma expressão linguística ("Deus" talvez), chama-se "espiritual" tudo a ela relativo. Após a esfera pessoal e intransferível do âmbito espiritual, feito um documento, há a esfera da comunidade, o reconhecimento de que a fé própria é compartilhada por outros e a identificação destes como semelhantes perante o sentimento dessa eternidade.
Se a incrível capacidade intelectual do ser humano o deixasse em paz, pararíamos por aqui e não haveria religiões disputando tal qual times de futebol, havendo apenas a espiritualidade humana e pronto. Contudo, muitas foram criadas, sendo o dogmatismo forte na maioria e o ideal de "respeitar-vos uns aos outros" controvertido pelo "não creiam nas demais crenças", numa incorrigível inimizade.
Eu espero o dia em que não sejam mais tão cegos os nós que prendem a fé aos dogmatismos religiosos e sectários.
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