Pensar e sentir: construindo morais e éticas

Esses dias, estava eu no coral e uma mulher a meu lado, ao errar a letra, disse não conseguir cantar aquela determinada peça olhando para a partitura. Num primeiro momento, o comentário pareceu-me um lamento, ou uma justificativa para o erro, até que ela emendou: "é que eu não penso mais pra cantar essa música, eu canto é com o sentimento".
Parei e pensei: "é justamente o que eu gostaria de conseguir fazer na vida". Sentir mais e pensar menos, não nos faltam filosofias ou literaturas ditando isso. Epicuro, Alberto Caeiro, já nos diziam que a vida deve ser nas coisas e pelas coisas, que o pensamento não deve ser senão da coisa, e que essa coisa nada é além de coisa. Os momentos em que percebo isso me parecem de fato os melhores e que mais sentimento envolvem.
Talvez seja cedo (no texto, na História e na vida) para afirmar que o pensamento racional é que estraga o homem, pois também é o que o retira da condição puramente animal e o faz ser coletivo, social, comunicativo e "civilizado", tanto quanto caiba de bom nesse último estado.
Recentemente, o conclamado civilizadíssimo governo francês iniciou um movimento de regulamentação dos imigrantes "gitanos" (nossos famosos ciganos) em seu território, que consistia basicamente em enviar de volta às pátrias de origem os ditos causadores de problemas sociais - crimes, aumento das taxas de desemprego, entre outros. Até aí, problema algum. Muito pragmáticos, líderes franceses teriam todo o direito de assim lidar com a situação.
Pois bem, a extrema racionalização está a passos do moralismo fatalista. A lógica envolvida na situação acima, com procedimentos amparados pelas leis do país e uma decisão que parece altamente justificável passa por todos os crivos racionalistas para criar denominações para o que ocorre e saídas altamente práticas nisso embasadas. Os imigrantes causam problemas, prejudicam o bom andamento do país, logo, expulsemos todos.
Experiências com ciganos foram marcantes também na península ibérica. Perguntem a Portugal e Espanha onde estão os gitanos daquela época... Estão no flamenco, nos violões apaixonadamente dedilhados, nos hábitos alimentares. Vistos como uma cultura bela e rica, foram melhor sentidos e incorporados por portugueses e espanhóis. A empatia ajudando na construção social e cultural dos países. A empatia de diferentes povos a favor da pacífica miscigenação.
Sentir, não rotular, além de mais agradável, nos traz a ética e não falsas morais embasadas em um racionalismo vão. Por tudo isso, não confio em quem nunca se extasiou com um quadro, entrou em transe com uma música ou se compadeceu de uma criança na rua. Como diria Chaplin em seu "O Grande Ditador", o mundo precisa que sintamos mais e pensemos menos. Nesse sentido, é claro.
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