Trabalho de parto do infinito - parte I

"Tudo o que desejamos é um eterno que nos ame."
(Meu nick no msn há 1 mês.)


Esse tempo todo que fiquei sem postar me veio confirmar no mínimo uma coisa: não dá pra forçar nenhum texto. Eles apenas nascem, quase num parto, após serem gestados por um prazo, ainda que de forma imperceptível (seria inconsciente? Não, acredito que de forma consciente, mas não exatamente com uma intenção sempre clara). Uns podem dizer que isso é fruto da minha boa vontade para com a hoje tão impopular "inspiração" ou "gênio criativo" e que é desculpa para quem não tem tempo ou idéias pra postar. Eu digo que inspiração não é assim assunto pra se julgar tão ordinário e que, se ela existe, em mim trata-se mais um processo de germinação espontânea e prolongada do que de um insightezinho qualquer. Finda a digressão, voltemos, pois, à sala de parto.
E o filho nasceu. E foi feliz para sempre. Opa, opa, opa. Renato Russo, na voz de Cássia Eller, já dizia que "o pra sempre sempre acaba". Eles próprios, dois grandes da música, se foram e o confirmam. No entanto, se eternizaram de alguma forma no que produziram, pois ainda que discos arranhem e quebrem, como pensou Cazuza, eles são uma maneira de ficar meio "pra sempre" na terra. Um pra sempre um pouco mais longo que o pra sempre da vida, ao menos. Um momento: que abuso de pra-sempres é esse?
Pra sempre não devia ter medida, devia ser um só, eterno. Mas quanto mais "pra-sempres" adotamos na vida, mais eles se quebram e percebemos quão ilusórios são. Se quebram como grandes placas de gelo derretendo sobre um lago no inverno. A metáfora pode ser pobre, mas é válida. Imagine-se andando em uma placa de gelo dessas. Permanecemos boa parte da vida a andar sobre verdades que cremos eternas, atemporais. Até que, frágeis, derretem, e passamos a ter de surfar nas placas que se formam, nas meias-verdades, nas relatividades que se apresentam diante de nós.
Essa verdade eterna em que acreditamos pode vir de fontes diversas: pode ser a verdade das religiões, aos mais crentes, ou mesmo a verdade que buscamos (e, pensamos, encontraremos) na Ciência, aos mais céticos; no entanto, já afirmava Hume, mesmo a Ciência, no fundo, não passa de uma crença, meus caros. Acreditamos necessária e piamente numa eternidade como chão para nossas andanças por aí. Essa verdade nunca é em nós e para nós, contraditória. Ela é absoluta, sempre presente e sempre favorável. Fosse ela um ente dotado de alma, seria pleno amor para conosco. Penso, como no post da "bolinha da esperança", que finda essa crença, no que quer que seja, termina também nossa vida.
O que fazemos, porém, quando o chão se rompe sob nossos pés e algo da experiência nos diz que nada é eterno e que não há verdades, apenas placas móveis de gelo derretendo - as transitoriedades e os relativismos da vida? É preciso primeiro escolher: criamos um novo solo, ainda que imaginário, aprendemos a andar melhor sobre as placas ou terminamos congelados no lago.
(PS: continua... não sei por quantos posts, provavelmente não eternamente, mas continua...)
Category: 3 comentários

3 comentários:

Bruno Tarpani disse...

Quando li sobre as verdades que vão se derretendo logo me lembrei do que Sartre fala sobre a responsabilidade. A responsabilidade vem da liberdade e sabemos que esta é subtraida por muitas verdades. Quem questiona as verdades sente uma grande responsabilidade por todos.

Wedchidna disse...

Pra surfar você precisa de uma prancha, nem que for uma derretível. E de uma corrente. Sendo que ir contra ela não dá muito certo.

And cá entre nóix, surfar é muito mais divertido que andar ou ficar congelado. Cansando de surfar, sempre dá pra voar tbm!

- Viajar com metáforas é uma arte u.u -

Bruno Tarpani disse...

Saudade das coisas que vc escreve

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